Roupa suja
Atropelada por Apple e Google, finlandesa Nokia tenta entender o que deu errado
O americano Stephen Elop, que assumiu a Nokia em setembro de 2010, enviou durante a semana um duro memorando interno aos seus empregados em que, essencialmente, comparava a empresa finlandesa de celulares a uma plataforma de petróleo em chamas. Segundo ele, a companhia encarava duas escolhas possíveis: se jogar no mar gelado ou ser consumida pelas chamas. “Perdemos nossa fatia de mercado, perdemos a atenção do consumidor e perdemos tempo”, escreveu o executivo.
As chamas a que Elop fazia alusão seriam as duas competidoras no mercado de celulares que, lentamente, consumiram sua liderança e agora a ultrapassaram no gosto dos consumidores. Ou seja, a Apple com o iPhone e o Google com o sistema operacional Android espalhado por centenas de smartphones. A desilusão implícita no texto de Elop é compreensível. A Nokia tornou-se líder de vendas durante um bom tempo no advento da telefonia celular, principalmente em países em desenvolvimento. A liderança levou a uma displicência pela qual a empresa paga caro agora. “A primeira versão do iPhone foi lançada em 2007 e nós ainda não temos um produto que chegue perto da experiência que ele oferece. O Android chegou há dois anos e esta semana eles nos ultrapassaram em termos de volume de smartphones. É impressionante.”
Mais adiante, o executivo diz que a empresa ainda oferece importantes inovações em termos de pesquisa e desenvolvimento, mas que o fruto desse trabalho demora a chegar ao mercado. O sistema MeeGo, aposta da empresa para enfrentar a concorrência, foi atingido pela mesma letargia. “Nesse ritmo, só teremos um produto MeeGo no mercado até o fim de 2011.” Na faixa mais barata de aparelhos, a Nokia enfrenta as competentes empresas chinesas, que lançam modelos em menos tempo do que os empregados da Nokia levam “para criar uma apresentação de PowerPoint”.
A empresa não pode nem mais se escorar nos mercados em que a sua marca ainda sustentava uma liderança. “A preferência do consumidor pela Nokia caiu no mundo inteiro. No Reino Unido, a simpatia pela nossa marca caiu 20%, e já está 8% menor do que no ano passado. Isso quer dizer que só uma entre cada cinco pessoas no Reino Unido prefere a Nokia a outras marcas. O mesmo aconteceu em outros mercados em que tradicionalmente somos líderes, como a Rússia, a Alemanha, a Indonésia e os Emirados”, continua Elop em seu memorando.
Existe saída para a Nokia? Alguns analistas especulavam que o anúncio a ser feito pela empresa na sexta-feira 11 (após o fechamento desta edição), seria a de que a empresa passaria a usar o sistema Windows Phone 7, da Microsoft, em seus aparelhos. Isso faz algum sentido, tendo em vista que Elop é ex-executivo da gigante de Redmond. A conversão para um sistema mais bem pensado do que o MeeGo e com mais futuro do que o Symbian (tradicional sistema dos telefones da marca) pode ser benéfica e até restaurar alguma relevância aos aparelhos da empresa. Mas as chamas continuarão acesas.
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A reviravolta da Sony
A japonesa anuncia novas estratégias para tentar recuperar a relevância no mundo tecnológico
Um evento em Tóquio na quinta-feira 27 mostrou que a Sony recuperou o fôlego e tem novas ambições no mercado dos video-games. O lançamento imediatamente mais chamativo foi o NGP, o sucessor do PSP, console portátil da empresa.
A Sony sustenta que ele tem o mesmo poder de processamento do Play-Station 3, uma provocação implícita ao 3DS da Nintendo (os dois são mostrados abaixo, em Prazer de ponta). As especificações do aparelho parecem sustentar essa tese. A CPU tem quatro núcleos de processamento e é apoiada por processador de gráficos dedicado.
Além dos botões, normalmente encontrados em qualquer superfície de controle em videogames, a parte traseira do NGP é em grande parte sensível ao toque e pode ser usada pelo jogador para controlar os movimentos na tela. Além disso, o aparelho possui duas câmeras, acelerômetros que medem movimentos feitos pelo jogador, um compasso eletrônico, GPS interno e acesso a redes sem-fio.
Os jogos do NGP podem ser baixados pelo serviço on-line da Sony ou comprados em loja, e a empresa alinhou alguns dos principais títulos do PlayStation 3 para atrair os consumidores que conhecem a marca.
Outro anúncio da empresa foi de uma loja de jogos, específica para a plataforma Android de aparelhos celulares, chamada PlayStation Suite. Isso quebra alguns paradigmas mantidos há tempos pela empresa, principalmente o de que os jogos criados ou curados pela empresa só rodariam em aparelhos feitos por ela.
Parte do texto divulgado pela empresa revela que a Sony percebe no crescimento do mercado de aparelhos com sistema operacional Android uma possibilidade de expansão que seria impossível se ela se restringisse a si mesma. “Ao oferecer um conteúdo de ‘qualidade PlayStation’ a esse mercado que cresce rapidamente, a Sony deve não só permitir que uma base de usuários global tenha a possibilidade de jogar seus jogos, mas também oferecer a criadores e empresas a possibilidade de expandir seus negócios para essa gama de aparelhos.”
A cooperação com empresas interessadas em entrar no mercado com a égide- da Sony se dará por um processo chamado de PlayStation Certified. A Sony vai apoiar as empresas a desenvolver seus jogos e, em troca, favorecer a venda dos mesmos pelo PlayStation Suite.
Não é mera coincidência que a ideia do PlayStation Suite se pareça muito com o que a Apple fez para o iPhone com sua App Store. A diferença é que a Sony pretende que os consumidores entendam que o lugar para encontrar os melhores jogos para aparelhos celulares é a sua PlayStation Suite e que, portanto, quem realmente gosta de videogames deveria ter um aparelho com sistema operacional Android. É uma aposta grande contra um mercado dominado pela Apple e o iPhone, mas mostra que a gigante japonesa parece querer deixar para trás um período de letargia intensa para recuperar a relevância no mundo da tecnologia. E quem ganha com mais competição nesse mercado é sempre o consumidor.
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Pássaro valente
Twitter resiste à ordem judicial para entregar dados de usuários ligados ao WikiLeaksO twitter mostrou ser uma empresa corajosa ao defender a privacidade de usuários envolvidos com o escândalo WikiLeaks. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por meio de liminar, pediu ao site detalhes e acesso às contas de cinco usuários específicos: Julian Assange, editor do WikiLeaks, Birgitta Jónsdóttir, parlamentar islandesa, Bradley Manning, soldado americano acusado de roubar documentos secretos, além do programador americano Jacob Appelbaum e do hacker holandês Rop Gonggrijp. Entre os detalhes requisitados pelo governo americano estavam o histórico de acessos ao Twitter, endereços e números de telefone.
A liminar, datada de 14 de dezembro de 2010, é parte da estratégia do governo americano para obter informações antes de decidir se abre ou não um processo contra Assange pelo vazamento dos mais de 250 mil documentos diplomáticos, até então secretos, ao entender que as informações do Twitter poderiam ser relevantes e importantes para a investigação em andamento.
A ética do Twitter ficou explícita na vontade de informar os usuários afetados sobre a liminar. A empresa, segundo declaração de Julian Assange, pediu que fossem derrubadas as restrições quanto à divulgação da ordem judicial, que até então corria em sigilo e incriminaria quem desse notícia de sua existência ou da investigação em curso.
Em seu site (http://rop.gonggri.jp/), o hacker Gonggrijp escreveu que o Twitter “parece ter como política fazer a coisa certa, ou seja, fazer a coisa certa de informar seus usuários quando uma dessas liminares chega até eles. Para aqueles que acreditam que o Twitter ignorou uma ordem judicial para me informar do caso, eu recebi um PDF na quarta-feira 5 de janeiro com uma ordem para que a liminar fosse feita pública. Assim eles puderam me informar, o que possivelmente resulta de comunicações entre o Twitter e o Departamento de Justiça. Só Deus sabe quantos outros lugares receberam liminares semelhantes e simplesmente entregaram sigilosamente todas as informações que tinham sobre mim”.
Bem longe dos tribunais, o Twitter também tem causado controvérsias no futebol inglês. Blackburn Rovers e Queens Park Rangers (QPR) disputavam uma partida da Copa da Inglaterra no sábado 8 quando o atacante escocês Jamie Mackie, do QPR, e o zagueiro Gaël Givet, do Blackburn, disputaram uma bola com força excessiva e caíram no gramado. Givet recuperou-se, mas Mackie tentou levantar-se e não conseguiu. O médico do clube descobriu que Mackie havia fraturado a perna em dois lugares. Depois do jogo, Mackie usou o Twitter para divulgar que um atacante do Blackburn, o senegalês El-Hadji Diouf, tinha implicado que ele fazia corpo mole ao não conseguir levantar-se. “Muito desapontado por Diouf ficar no meu ouvido, enquanto eu estava caído com uma perna quebrada dizendo ‘f…-se você e f…-se sua perna’”. A federação inglesa agora investiga o incidente e pode até punir Diouf por suas palavras. Nada disso seria possível antes do Twitter.
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Por via das dúvidas
A China bloqueia, na internet, notícias sobre os protestos nos países árabes, por temer o efeito sobre os ânimos locais
O poder da internet nos correntes protestos no Egito e na recente insurreição na Tunísia ainda não pode ser efetivamente qualificado, mas é certo que ela teve algum papel nos acontecimentos. Entre os comentários feitos por diplomatas americanos e divulgados pelo WikiLeaks estavam relatos de um governo “corrupto”, “odiado” e “esclerótico”. A divulgação foi parte do impulso para o começo dos protestos que culminaram com a queda do ex-presidente Ben Ali na sexta-feira 14.
No Egito, a influência da internet foi considerada tão nociva pelo regime de Hosni Mubarak que o governo decidiu simplesmente fechar as conexões dos provedores locais com o resto do mundo no dia 28, assim como as redes de telefonia celular. Isso evitaria qualquer tentativa de organização de protestos via redes sociais ou a divulgação de instruções por mensagens de texto ou mesmo ligações entre cidadãos. É difícil apontar o estopim virtual dos protestos egípcios, embora a influência tunisiana seja clara. Um dos pontos de partida teria sido um vídeo feito por Asmaa Mahfouz, uma egípcia de 28 anos, que circulou no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=SgjIgMdsEuk) e depois foi compartilhado no Facebook.
A fala de Asmaa é emocionante. Ela faz um depoimento sobre um primeiro protesto fracassado, em que foi acossada por agentes da polícia egípcia, e depois conclama seus conterrâneos a deixarem de lado o medo para protestar contra o governo. “Aos que dizem que as mulheres não deveriam ir protestar porque serão surradas, que tenham alguma honra, sejam homens e me acompanhem no dia 25 de janeiro.”
Ela também critica os que só acompanham os acontecimentos com a distância segura da mídia e da internet. “Sentar em casa e acompanhar as notícias pela mídia ou pelo Facebook leva à nossa humilhação. Leva à minha humilhação. Se você tiver honra e dignidade como um homem, venha e me proteja, a mim e às outras meninas no protesto. Se ficar em casa, merecerá o que acontecer com você, e será culpado perante a sua nação e seus conterrâneos. E será culpado pelo que acontecer conosco nas ruas enquanto você fica em casa. Vá para as ruas, envie mensagens de texto, faça com que as pessoas saibam do movimento.”
E as pessoas souberam e apoiaram, como visto nos últimos dias no Egito. As repercussões agora abrangem a Argélia, a Jordânia e o Iêmen, mas muitos se perguntam se um movimento semelhante poderia suscitar na China. Por via das dúvidas, as autoridades chinesas tomaram medidas para evitar uma disseminação dos eventos, com medo de que eles pudessem inspirar a população local. O sinal foi dado por um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês na sexta 28 de janeiro, quando disse que o governo chinês apoiava as autoridades egípcias e seus esforços para manter a estabilidade social. O termo “Egito” foi bloqueado das ferramentas de busca na maioria das redes sociais chinesas e os meios de comunicação receberam instruções para moderar a cobertura do que acontecia no exterior. Mais do que uma plataforma de comunicações, a internet se tornou uma ameaça aos regimes autoritários.
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Guerra declarada
De olho no mercado de videogames, a Apple anuncia o novo iPad na mesma hora do discurso do presidente mundial da Nintendo
Março é tradicionalmente o mês da Game Developers Conference (GDC), feira anual de desenvolvedores de jogos eletrônicos que reúne mais de 18 mil interessados e acontece em São Francisco, na Califórnia. Neste ano, a atração principal da feira sediada no Moscone Center é um discurso de Satoru Iwata, presidente da Nintendo, na quarta-feira 2. O executivo falaria sobre o futuro da companhia e talvez revelasse detalhes interessantes do Nintendo 3DS, portátil da companhia, com lançamento previsto, nos EUA, para o domingo 27.
O problema para Iwata e os outros milhares de pessoas interessadas na GDC é o que acontece exatamente do outro lado da rua, no prédio oposto ao Moscone Center, o Yerba Buena Center for the Arts. Lá a Apple tinha marcado para o mesmo dia e à mesma hora uma palestra de Steve Jobs, que decidiu apresentar o iPad 2 mesmo sob licença médica da empresa. A nova edição da prancheta da Apple possui processador mais rápido e memória interna expandida.
A estratégia da Apple em marcar a apresentação e bater de frente com a Nintendo é mais do que um simples desafio aos jornalistas que não podem estar presentes nos dois lugares ao mesmo tempo. É uma declaração de guerra. A Apple acredita que o centro do mercado de videogames portáteis está de mudança para os aparelhos celulares e para as pranchetas digitais, mais especificamente para a plataforma iPhone/iPad. Isso foi sustentado por Peter Vesterbacka, fundador da Rovio, companhia criadora do Angry Birds, jogo de grande sucesso na plataforma iPhone/iPad com mais de 50 milhões de cópias baixadas. “Quando você olhar para o mercado de jogos, fica claro que o centro de gravidade claramente se mudou para os aplicativos móveis. É lá que acontece toda a ação e as tendências são definidas”, disse Vesterbacka. Depois, em declaração à Wired, o executivo disse que, provavelmente, não poderia ir a nenhuma das -duas palestras, mas que talvez fosse ver o que Steve Jobs tinha a dizer. O raciocínio de Vesterbacka é que já se sabe boa parte do que o Nintendo 3DS deve oferecer, enquanto o que a Apple apresentaria ainda era um mistério.
Na verdade o que acontece dos dois lados da rua é uma batalha entre duas apostas sobre o futuro dos jogos portáteis. De um lado estão os desenvolvedores de jogos para plataformas de companhias “tradicionais” no mercado como a Nintendo e a Sony com seu PSP e o futuro NGP. Eles acreditam que ainda existe um bom mercado para jogos que custam cerca de 30 dólares.
Do outro lado da rua está o pessoal- da Apple, que acredita firmemente que o que o mercado quer são jogos rápidos, bem desenvolvidos e de custo baixíssimo, entre 99 centavos e até 3 dólares de preço. Os mais de 50 milhões de cópias vendidos do Angry Birds mostra que é um mercado em franca expansão. O clichê é cansativo, mas é inegável que quem ganha com isso é o consumidor. Ou o jogador.
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Twitter: a nova via da revolução?
Por Redação IHU
Entrevista especial com Sandra Montardo, Pollyana Ferrari, Adriana Amaral e Matheus Lock dos Santos.
No Egito, os manifestantes derrubaram Hosni Mubarak depois de 30 anos no poder. As organizações dos movimentos se deram através do Twitter e do Facebook. Antes disso, na Tunísia, a população usa o Facebook e o Twitter para organizar manifestações que resultaram na destituição do presidente Ben Ali. Este episódio ficou conhecido como “revolução na Tunísia foi tuitada”, numa menção ao documentário “A revolução não será televisionada”, que apresenta os acontecimentos do golpe contra o governo do presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. Na Líbia, o Conselho Nacional transitório, órgão criado pelos rebeldes, abriu uma conta no Twitter para se comunicar com os meios de comunicação nacionais e estrangeiros de forma direta. Após o terremoto que vitimou mais de dez mil pessoas no Japão, o povo usa o microblog para buscar informações sobre parentes e vítimas.
Não há como negar que o Twitter se tornou o meio de comunicação mais democrático da atualidade. “Não podemos dizer que, no caso da Líbia, Egito e Tunísia, foram as redes sociais que revolucionaram o movimento. O movimento já existia, a insatisfação popular já existia, só que as redes sociais potencializam a forma de atuação. Então, elas permitem que mais pessoas postem mais coisas, mesmo em regimes ditatoriais cujo controle é de ordem máxima”, explica a professora Pollyana Ferrari durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line. Ela é complementada pela professora Adriana Amaral, que diz: “O poder revolucionário está nas pessoas, mas as redes potencializam e redistribuem esse poder, para o bem ou para o mal. Houve uma demanda que as mídias massivas de repente não estavam conseguindo contemplar”. Na mesma entrevista, a professora Sandra Montardo afirma que o papel do Twitter é importante porque está sendo utilizado em busca da democracia. Porém, ainda que o potencial do microblog esteja em alta, ele ainda sofre controle. O próprio Egito bloqueou o acesso ao sítio (twitter.com) quando percebeu seu potencial. “A internet e as plataformas que vieram com ela funcionam muito para ajudar a comunicação, a circulação de informação, mas ainda são fortemente controladas”, aponta Matheus Lock dos Santos. As quatro entrevistas foram concedidas por telefone à IHU On-Line.
Sandra Montardo é doutora em Comunicação Social pela PUCRS e professora de Ambientes Digitais na Feevale.
Pollyana Ferrari é doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É autora de A força da mídia social: interface e linguagem jornalística no ambiente digital (São Paulo: Factash, 2010).
Adriana Amaral é doutora em Comunicação Social pela PUCRS e professora de Jornalismo Online na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Matheus Lock dos Santos é mestrando em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde apresentará a pesquisa intitulada Manifestações em 140 caracteres: a mobilização popular e a formação de redes sociais no Twitter para o debate e confronto político.
Confira as entrevistas.
IHU On-Line – Como você avalia o uso das redes sociais em conflitos recentes, como no Egito, na Líbia e, até em desastres naturais, como no Japão?
Sandra Montardo – Parece-me fundamental o uso de tais ferramentas até para, de certa forma, determinar alguns destes acontecimentos. Por exemplo, li em uma reportagem que primeiro houve uma revolução na Tunísia e que os tunisianos avisaram via Facebook sobre os acontecimentos. Eles colocavam formas de se proteger em protestos, de escapar de bombas de gás lacrimogêneo, divulgando formas de como se organizar. Houve, então, uma troca de informações entre os tunisianos e os egípcios. Este é um belo exemplo de como a rede está sendo utilizada para a democracia.
Pollyana Ferrari – Esse é um excelente uso. Sempre falei que as redes sociais, principalmente Twitter e Facebook, tinham muita capacidade de uso político e para ajuda humanitária. A Cruz Vermelha, por exemplo, está fazendo um excelente trabalho no caso do Japão. O Greenpeace, na questão do vazamento nuclear, também está fazendo uma excelente cobertura utilizando as redes sociais. Porém, não podemos dizer que no caso da Líbia, Egito e Tunísia foram as redes sociais que revolucionaram o movimento. O movimento já existia, a insatisfação popular já existia, só que as redes sociais potencializam a forma de atuação. Então, elas permitem que mais pessoas postem mais coisas, mesmo em regimes ditatoriais cujo controle é de ordem máxima.
Adriana Amaral – As redes sociais estão mostrando que são artefatos que estão presentes cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas. E as pessoas vão se apropriando delas conforme suas experiências culturais, suas relações.
Matheus Lock dos Santos – Vejo a utilização das redes sociais mais como uma plataforma de engajamento político que vai ajudar movimentos sociais populares, como aconteceu no Irã em 2008, como uma forma de complemento em relação à comunicação. Várias pessoas estão falando que as redes sociais estão explodindo essas formas de movimentação e protesto. Mas, na verdade, é necessário ter um ambiente social muito mais em ebulição do que uma ferramenta para fazer um movimento social.
As redes sociais são muito importantes, sim, porque facilitam muito a circulação de informações. Elas não são, todavia, o foco principal. No Iêmen, por exemplo, a população é muito pobre, praticamente não tem acesso à internet. Mesmo assim a população está se articulando de forma incrível com as condições possíveis. Acho que elas são extremamente importantes, mas não podem levar o crédito todo.
IHU On-Line – Podemos dizer que as redes sociais foram a base das revoltas árabes?
Sandra Montardo – Elas tiveram um papel importante. Li outra matéria falando que um jornalista estava preso, mas ninguém sabia de seu paradeiro. Como tinha acesso ao celular, ele tuitou sobre sua condição e rapidamente as pessoas do seu país foram atrás de informações e conseguiram soltá-lo. São coisas deste tipo, ele só colocou uma hashtag “#arrested”, e as pessoas conseguiram se mobilizar para libertá-lo.
Pollyana Ferrari – Como plataforma de mídia, digo que sim; como movimento social, não, porque nem tudo ocorreu no virtual. Se formos pensar como mídia, o papel das redes sociais foi revolucionário, sem dúvida alguma.
Adriana Amaral – Diria que elas foram um facilitador desse “troféu”.
Matheus Lock dos Santos – Elas não foram a base. Os conflitos têm uma construção muito mais histórica de problemas de emprego, de dominação, de coação. Os fatores históricos são muito mais profundos que as redes sociais. Essas são plataformas que tiveram um grande êxito por serem rápidas; são formas mais dinâmicas de comunicação.
IHU On-Line – Você acredita que as redes sociais têm um poder revolucionário?
Sandra Montardo – Acredito sim. As redes, por si só, não fazem nada, mas possibilitam que as pessoas, de uma maneira mais fácil e mais rápida, consigam se conectar e se organizar mais rapidamente para alguma coisa.
Pollyana Ferrari – Não chamaria de poder revolucionário. A palavra é um pouco apoteótica demais. Podemos dizer o seguinte: as redes sociais potencializam qualquer manifestação e movimento, seja ajuda humanitária, movimentos políticos, causas trabalhistas. O caso dos ciclistas, em Porto Alegre, que foram atropelados é um exemplo disso. É uma evolução, não uma revolução. Se tivéssemos, em maio de 1968, o Twitter, a situação teria sido muito diferente. São movimentos sociais ancorados pelas redes sociais. Essas ferramentas dão força, capacidade de dizer para muita gente o que você quer rapidamente.
Tenho um pé atrás de dizer que foi essa plataforma que revolucionou todas as manifestações. O povo do Egito estava, por exemplo, há mais de um ano fazendo denúncias via Twitter. Este país tem muitos blogueiros; usava o Facebook com bastante propriedade. Quando resolveram ir para a rua, estavam muito organizados. A pessoa encontra no microblog um canal para viabilizar suas manifestações; não é a ferramenta que faz a revolução. Há o desejo das pessoas de contar. Um paralelo é Cuba. Com todas a efervescência e manifestações contra governos ditatoriais. por que Cuba não usa o Twitter? Há tantos blogueiros no país… Falta força popular, nesse caso.
Adriana Amaral – Prefiro acreditar que o poder revolucionário está nas pessoas, mas as redes potencializam e redistribuem esse poder, para o bem ou para o mal. Houve uma demanda que as mídias massivas de repente não estavam conseguindo contemplar. Desta forma essas ferramentas acabam sendo apropriadas de outras maneiras, como aquela de, digamos assim, dar conta dessa faceta de conflito.
IHU On-Line – Pela poderosa rede social que é, o Twitter se converteu no que podemos chamar de protagonista dessas revoltas no mundo árabe, pela ascensão e queda de personagens. Cinco anos depois da ferramenta, ela continua crescendo. O que isso significa para a comunicação?
Sandra Montardo – Significa várias coisas. As pessoas têm uma forma rápida de se comunicar e fazer suas mensagens chegarem a muitas outras. Cada vez mais a ferramenta vai se adequando aos usos que são dados a ela. Por exemplo, aplicativos como o Tweetdeck possibilitam que nós possamos buscar por colunas as hashtags que nos interessa. O próprio twitter, com sua atual interface, facilita a função Retweet (retuitar). No começo não existia essa função; foram os usuários que inventaram o retuite. A história trending topics foi surgindo depois que os usuários criaram e passaram a usar as hashtags. O interessante é isso: a ferramenta vai ter vida longa se conseguir ir se adaptando às necessidades dos usuários que vão se alternando no decorrer do tempo e também a partir do uso que elas fazem das próprias ferramentas.
Pollyana Ferrari – Acredito que, neste momento, é a principal ferramenta para esse tipo de ação. O Facebook está crescendo. Este possui o Facebook Causes para quando se quer fazer doações. Mas ainda não superou o Twitter. Por que essa ferramenta deu tão certo? Porque é muito fácil mexer nela. Não requer grandes habilidades, não requer flash, nenhuma parafernália.
Matheus Lock dos Santos – O Twitter veio de uma forma muito forte para agregar a questão da circulação da informação. Fica cada vez mais difícil a relação entre controle e censura. Essa relação de luta pelo poder simbólico da informação é ainda disputada por jogadores muito fortes e ainda vai continuar dessa forma. Seria uma ingenuidade de nossa parte achar que o Twitter – e ferramentas desse tipo – veio para democratizar a informação maravilhosamente bem. Tanto isso é verdade que está aí a luta fervorosa contra o WikiLeaks por parte dos Estados Unidos e da China. Controle e censura sempre vão haver. Nos EUA existem centros de informação e inteligência do governo que seguem tuiteiros que seriam ditos “revolucionários”. A internet e as plataformas que vieram com ela funcionam muito para ajudar a comunicação, a circulação de informação, mas ainda são fortemente controladas. Elas vieram para agregar, e espero que outras plataformas continuem sendo criadas para expandir cada vez mais as forças da resistência.
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